sábado, 7 de janeiro de 2012

Uma história pessoal sobre ÁGUA

A água, sem dúvida, é fonte de vida e motivo de conflitos.
Começo essa história contando um episódio no qual estou pessoalmente envolvida.

Tenho procuração para representar a proprietária de um apartamento pertencente ao condomínio de um prédio novo, num bairro central de Santa Maria. A proprietária é minha filha e o partamento é de uso familiar.

Um dia destes fomos procurados, pelo síndico do prédio, para que assinássemos um termo de adesão à construção, no prédio, de um poço artesiano.
A assinatura de cada responsável de todos os apartamentos fazia-se necessária, de acordo com o síndico, para garantir que a construção fosse "sigilosa".

Tratei de me informar com representante do Conselho Fiscal do Condomínio sobre as efetivas razões das assinaturas e, entre todos os argumentos favoráveis à abertura do poço, estaria o de que, somente os moradores do nosso apartamento não estariam assinando o documento, pois que todos os outros já haviam aderido ao Termo e concordado com a abertura do tal poço.

Constatei também, que as assinaturas significariam o compromisso de bancar financeiramente os custos do poço, mas mais do que isso, de garantir o caráter "sigiloso", pois que assim nenhum morador informaria aos órgãos competentes sobre tal obra.
O termo sigiloso, nesse caso, significa clandestino, porque, de acordo com a proposta do síndico e adesão dos moradores, o poço seria construído sem a OUTORGA ( autorização) dos órgãos competentes.

Recusamo-nos a assinar, após nos informarmos sobre os aspectos legais de tal empreendimento.
Sintetizando as questões legais:

Para fazer o tal poço, o projeto e a outorga, devem ser aprovados pelo Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Mas a secretaria aprova desde que o projeto esteja enquadrado nos critérios legais e entre eles e o mais fundamental de todos: não haver acesso ao serviço de abastecimento por rede pública de água potável.

Obviamente que um prédio urbano, central e recente, nem teria o habite-se sem acesso à água potável. Logo, o poço só poderia ser construído de forma clandestina e, portanto, correndo o risco de ser fechado e o condomínio todo penalizado por multas e sansões previstas em Lei, além de perder o investimento realizado.

Mas então, qual a razão para construir esse poço?
Faltas frequentes de água? Não, raramente ha interrupção quando, acidentalmente, rompe-se algum cano.
A razão alegada é que a água da Corsan é muito cara.
Ora, a média dos gastos com água no prédio é em torno de 100,00. Pela relevância da água e pelo nível de gastos e de renda dos moradores do prédio, é um gasto irrisório.
Temos água, potável, de boa qualidade.

Mas será que nós somos intolerantes? Afinal o que diz a legislação?
A Lei das Águas de nº 9.433 de 8/1/97 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.
Objetivo da Lei (que foi fruto de mobilizações populares): "assegurar à atual e às futuras gerações, a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados".

O art. 1º da Lei reza que a Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I- A água é um bem de domínio público (comum);
II- A água é um bem natural limitado, dotado de valor econômico;
III- Em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o Consumo humano e dessedentação de animais.
VI- A gestão de recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. ( Por isso a existência dos Comitês de Bacias Hidrográficas).

Importante ressaltar, ainda, que a Resolução nº 60 de 16/7/2009 do Departamento de Recursos Hídricos do Estado, ouvidos os Comitês representantes das comunidades, deixa claro que não poderá haver outorga para abertura de poços artesianos onde houver abastecimento por rede pública de água potável e estabelece algumas excessões, das quais nosso prédio nem de longe se enquadra.
Cabe ressaltar que a legislação prevê pesadas multas para as infrações que vão de 100,00 a 10.000,00, ao dia, conforme a infração.

Diante disso tudo, de forma responsável e solidária com a nossa e com as futuras gerações, nos recusamos a assinar a lista de adesão para construção CLANDESTINA de um poço artesiano no prédio e também por entender que estaríamos nos apropriando de forma corrompida do que é comum à humanidade, sabotando a gestão das águas e contribuindo para esgotar o lençol freático e com o único objetivo de economizar dinheiro e não de economizar ÁGUA.

Se o Condomínio decidisse investir em estruturas de captação de água da chuva e reaproveitamento da água utilizada ou em instalação para captar energia solar, estaríamos dentro e certamente assinaríamos termos de adesão, nos comprometendo em investir e pagar para economizar RECURSOS HÍDRICOS.

É lamentável constatar que tal proposta, com 99% de adesão, vem de pessoas de nível universitário, com ótima situação financeira, todas com excelente qualidade de vida, com acesso às informações e conhecedoras da Lei, muitas desempenhando cargos públicos dirigentes, algumas com atividades empresariais, de veículos de comunicação e "formadores de opinião". Lamentável, também, ter ouvido de algumas dessas pessoas, que existem muitos prédios em S.Maria fazendo poços clandestinos. Os órgãos fiscalizadores precisam ver isso. Água é fundamental à vida e ninguém deve se apropriar indevidamente do que é de todos.