quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

As trapalhadas dos adultos com a infância

Quando começamos a namorar, o Irineu e eu planejamos ter tres filhos (nossos pais tiveram 8 e 10). Achávamos o número ideal e tivemos a graça de ter mais uma. Quatro filhos. A gente assinava revistas de formação, estudamos Piage, Vigotsky e outros, porque queríamos acertar. Acertar era viver uma vida que pudesse ser imitada, admirada pelos filhos e viver com alegria, compromisso comunitário, solidariedade com os mais necessitados, respeito e comunhão em relação à natureza.
Não sei se conseguimos, mas tivemos o cuidado de cuidar, cuidar e cuidar, no sentido de preservar a dignidade e a alegria da infância.
Hoje já não sei se não sou moralista, não desejo ser, mas não acho legal as crianças imitarem, por exemplo, os modelos que a televisão nos apresenta. A menina Rafaela, da novela da Globo (de Viver a Vida), que monstrinho, cheio de astúcia, fofoqueira e outras coisas mais, que a personagem está revelando. Será que é bom as crianças verem isso? Será que é bom para a menina-atriz? Será que, na idade dela, em que fantasia e realidade se confundem, ela vai conseguir separar a ficção de sua vida real? E o ambiente de trabalho que a menina é submetida é adequado à infância? Não é uma forma sutilmente perniciosa de "trabalho infantil"? Ou a Globo POOOODE! E as promotorias da infância e Juventude o que tem feito à respeito?
E no carnaval, as menininhas serem submetidas a sambar, até a meia noite ou mais, intertendo o público, subindo e descendo a avenida Liberdade, enquanto as escolas não chegavam para desfilar?
Foi muuuuito esforço, eu vi, eu percebi. E as vestes e danças (gestos eróticos) expondo a infância a uma função que sempre foi dos adultos e que, antes de existir o ECA, não era permitida à infância. Agora é? Tem algum estudo sobre isso? É bonitinho, mas me pareceu demasiada exposição e demasiado esforço, para as menininhas que participaram da corte municipal do carnaval.
Fala-se em escola de tempo integral, redução da idade para iniciar a educação infantil, proteção à infância, preconizada pelo ECA e ao mesmo tempo não se garantem espaços abertos, para que elas cresçam brincando, correndo, em segurança, com os cuidados que a infância merece. As cidades não são pensadas para que a infância tenha seus lugares.A infância não está sendo preservada, na sua inocência, liberdade, alegria e cuidados. Será que sou eu que envelheci e não entendo mais de criança? Eu pensava que entendia um pouco.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Uma mulher chamada Eliza

Sei que ando escrevendo textos muito longos e ninguém anda me respondendo. Desculpem. Hoje vou comentar nossa visita (minha e do Irineu) e Foz do Iguaçú.
Minha irmã Eliza veio a S.Maria organizar a festa de formatura da filha Juliana, que se formou em Artes Visuais. Foi uma bela festa, alegre, cheia de encontros e tudo estava perfeito. A Juliana muito feliz e linda. Adorei! Parabéns Juliana.
Minha irmã veio de carro e para voltar precisava de alguém com ela. Nos convidou e nos tentou dezendo: Aproveito e arrumo os dentes de vocês. Lá fomos nós.
Eu dirigi até Porto Mauá, divisa entre Argentina e Brasil.Ela dirigiu no território argentino.Foi uma ótima viagem.
Ficamos uma semana em Foz do Iguaçú. Fizemos diversos passeios e, é claro, ao Paraguai. Compramos algumas coisitas, dentro da cota, é claro.
Mas o que desejo comentar é sobre o lado "virtuoso" da Eliza. Arrumou diversos dentes meu e do Irineu. E o que gosto é o profissionalismo da minha irmã: Ela faz a avaliação, tira radiografia, trata canal, faz as próteses, etc. etc. Se necessário, faz cirurgia, implante de osso e de dente. Não foi nosso caso, mas ela já fez implante no Irineu. O consultório é novíssimo, agradabilíssimo, aconchegante. Ela está sempre se atualizando.Voltamos com a boca absolutamente em ordem.
Quando minha irmã não está no consultório, está fabricando bijouterias. Cada coisa linda!Ganhei de presente diversas e trouxe outras para vender. Algumas ela fabricou na nossa presença e quando a gente falava:"esta aí vais vender fácil, é linda!" ela dizia," eu vendo, mas não faço para vender. Faço por prazer!"
Aí ela sai, vende nas lojas, compra também, constroi relações afetivas, de trocas, e arruma clientes pro consultório.
Fiquei comparando com tantos jovens que, desesperadamente, fazem concursos públicos na busca da estabilidade. Isso é bom, não precisa conquistar clientes, é seguro, se aposenta bem, etc. mas muitos queixam-se da rotina, da mesmice, da subordinação a chefes autoritários, etc.
No trabalho da Eliza, não há estabilidade, é preciso mãos que sabem fazer, conhecimento, comunicação, relações inter-pessoais, afetivas. Isso é que dá garantia. A pessoa precisa estar atenta, atualizada, conectada, criativa. Parabéns Eliza!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Melhorismo da continuidade"????

Na revista Caros Amigos, de janeiro de 2010, João Pedro Stédile escreve uma matéria intitulada "É preciso debater um Projeto para o Brasil". Inicia afirmando que a opção brasileira não deve ser entre o "retrocesso da volta dos tucanos" ou o ""melhorismo" da continuidade".Defende que a situação dos pobres só vai melhorar com "mudanças estruturais" que viriam com a elaboração de "um projeto para o país". Afirma que é preciso que "se conscientize as massas, aglutine forças e motive o povo a lutar por ele".
A seguir cita o desemprego, a concentração da terra e da renda e segue listando tudo o que falta melhorar na realidade brasileira.
Ouço e leio o Stédile e as esquerdas brasileira dizerem isso a 30 anos e esse é, mais ou menos, o tempo em que João Pedro coordena o MST, o maior movimento organizado de luta pela terra nas Américas.Penso que ele já deveria ter percebido, que o discurso da "conscientização", do "acúmulo de forças" e da formação de lideranças (quadros dirigentes), que debatam e formulem Projeto ou Projetos para a diversificada realidade brasileira, não foram suficientes para realizar mudanças estruturais, porque é isso que o MST, a Via Campesina, os Movimentos Sociais Populares teem feito a décadas. O que faltou fazerem? Como fazer isso de forma a dar resultados diferentes agora? Que mudanças estruturais são essas?
Talvez ele queira dizer que é preciso derrotar o capitalismo e implantar outra coisa (o socialismo). Mudanças estruturais sugere mudanças na política econômica (intervenção nos bancos, estatização de setores da economia, redução de juros, não subordinação à lógica financeira global,reforma agrária massiva, etc.)Será isso?
O que confunde a esquerda e a direita fascista, foi o Governo Lula ter enfrentado a crise econômica, que assolou o mundo e o Brasil, sem fazer mudanças econômicas ortodoxas,e sim fazendo políticas sociais, distribuindo renda, em programas sociais, colocando nas mãos dos pobres, recursos que lhes deram acesso ao mais fundamental. Se é a vida que produz riqueza, é da vida dos mais pobres que Lula cuidou. Fortaleceu o mercado interno e fez o efeito da "multiplicação dos pães" na economia.
Mas na interpretação das expressões "mudanças estruturais" e "acumulação de forças", me induz a pensar na idéia de tomada de poder do Estado e então realizar as mudanças. Por outro lado "acumular forças" sugere que a forma de tomada de poder é ir construindo maioria nas estruturas estatais e institucionais e hegemonia de pensamento através da conscientização, realizada sob a coordenação de lideranças políticas e quadros bem formados. Já ouvi isso muitas vezes. Isso é o que já se tentou fazer. Por que não se fizeram mudanças? Porque o Lula traiu o povo e fez só "melhorismos"? Certamente que não.
João Pedro, muita coisa mudou:
- o latifundio já não é tão improdutivo;
- o crescimento econômico já não gera tantos empregos;
-o Presidente não tem o poder que se pensava ter.
Veja o caso das desapropriações. Acabei de ler, na mesma revista acima citada, que o Presidente Lula assinou o decreto declarando área de interesse social, para fins de Reforma Agrária, a área da Fazenda Monte Cristo, no Vale Jequitinhonha, no norte de Minas. Essa assinatura é o último passo para a desapropriação. Pois a fazenda está sendo vendida, com o consentimento do Ministério Público Estadual. Os conflitos são acirrados, morre gente e nem o Presidente conseguiu desapropriá-la.
O Estado não é o Presidente e o Sistema Capitalista é maior que o Estado. É necessário, sim, neutralizar ao máximo a força repressiva do Estado e por isso faz diferença escolher entre Lula e o PSDB e seus comparsas.
No entanto, o MST e o Movimento Popular e Sindical, precisam avançar em suas estratégias de luta.
Em lugar de conscientização, propor, organizar e realizar ações que inaugurem novos modos de vida,: com mais autonomia, menos dependência, subordinação e hierarquização. Novos modos de produzir,novas formas de trocas, de uso da moeda, de morar, de garantir segurança. Produzir comunicação, informação, lutar pela acessibilidade de tudo o que humaniza e dá qualidade de vida digna.Não no discurso, na prática, na vida, em ações concretas. Muitas coisas nesse sentido estão acontecendo, é preciso que os dirigentes dos movimentos populares vejam isso. Algumas o MST já faz, é verdade.
A Reforma Agrária, por exemplo,precisa ser feita com linhas de crédito para grupos cooperados, organizados em Projetos com o objetivo da Segurança Alimentar, com assessoria técnica, gerenciamento cooperado, visando boa e sustentável produtividade. Continuar defendendo lotes individuais, para integrarem-se a um tipo de mercado, em que o pequeno quase sempre vai à falência, com qualidade de vida péssima, sem acesso à formação, comunicação, saúde, cultura, não dá mais. É preciso reinventar a luta, reinventando a maneira de viver. Não é o Bolsa-Familia que impede a formação de novos acampamentos, é o sacrifício, o sofrimento, a humilhação e o medo que impera sob as lonas pretas. Acorda coordenador do MST!