segunda-feira, 30 de agosto de 2010

LEMBRANÇA BOA


São Miguel, comunidade Quilombola, em Restinga Seca. Ano de 1996. Verão. Um calor e uma seca medonhos! Eu era vereadora, daquelas que se fazia presente nas lutas das comunidades.
Naquela tarde (o dia não lembro mais) peguei nosso velho Opala branco e fui numa reunião, a convite dos moradores do Quilombola, para debater e ajudar na luta pela conquista de água nas torneiras das casas da comunidade. Uma luta antiga.

Estávamos conversando, numa roda, sob a sombra de um pé de plátano. De repente, alguém chega gritando: " a Jurema está com ataque" (era epilética).
Colocaram-na no Opala, interrompemos a reunião e quando íamos sair para levá-la ao Hospital, na cidade, novo chamado: "Peraí, peraí, a Jussara tá com as dor, leva ela também, ela vai ganha nenê".
"Não dá", disse a Jussara," já tá nascendo".
Juntou gente, alguém comentou que a parteira viajou e a outra, que também fazia parto, se recusava a ajudar, porque se incomodou com a Justiça por ter feito um parto e o nenê ter morrido logo que nasceu.
Aí eu falei: "eu também não posso fazer parto. Não entendo disso".
"Mas o nenê tá nascendo, vai nascer no carro, a senhora é mãe e é estudada, tem que me ajudar".
Enquanto isso a epilética se debatia, amparada por algumas senhoras.
Vamos lá, seja o que Deus quiser. Rezei e entrei no barraco. "Precisamos de água, alcool, tesoura, cordão, forro de plástico pro colchão, etc."

A casa não tinha luz elétrica. Não tinha água. As paredes eram pretas de fumaça. Na única janela do quarto, umas dez pessoas apinhavam-se tentando espiar. Pedi licença, fechei a janela e solicitei ajuda à D. Maria, mãe da parturiente.
Jussara era uma negra bonita, alta, magra e forte. Já tinha dois filhos, ainda pequenos, que a tia levou para sua casa enquanto fazíamos o parto, sob a luz de um pequeno lampeão à querozene.
Encontramos um plástico, forramos a cama. A água não havia chegado. A única e escassa fonte ficava longe (uns trezentos metros).
D. Maria encontrou um litro de alcool. Tesoura não havia. Faca, só de mesa. Desinfetei as mãos com alcool e fiquei incentivando a Jussara a fazer força. Orientei sobre a respiração, ela já sabia e fez tudo direitinho.
O bebê apareceu, ajudei a liberar o cordão umbilical enroscado no pescoço do neném. Nasceu, era um guri, grande, não chorou. Não cortei o cordão, coloquei o bebê sobre a mãe, de lado, abri com cuidado, a boquinha, inclinei o bebê e coloquei o dedo na boca para retirar a secreção. Numa golfada veio tudo, um montão de "coisas" gosmentas. O nenê chorou forte. Meu Deus, que alívio!
Após desinfetar um barbante e uma gilete com alcool, amarei o cordão e o cortei. Que emoção!

Respirei fundo, aí dei os parabéns à mãe e à avó. As duas choraram de alegria e alívio. A avó foi até a porta e abrindo uma fresta falou pros interessados que tudo ia bem, que o nenê nasceu.
A água chegou, higienizamos o bebê, enrolamos num cobertor e o entregamos à mãe.
Ficamos à espera da placenta. Como demorava um pouco, D. Maria sugeriu que ela soprasse no bico de uma garrafa pra fazer força. Achei pertinente. Pedi que ela ficasse de cócoras, soprando, soprando...A placenta desceu. D.Maria falou que ia dar aos cachorros, e Jussara quase gritou: Não! Sugeri que enterrassem fundo. D.Maria foi, pessoalmente, enterrar a placenta.

Jussara se vestiu, vestimos o bebê, com roupas emprestadas, que a irmã de Jussara trouxe de casa. Jussara falou que esperava o nenê para daí a uns trinta dias. Não fez pré-natal e errou nas contas. Esperava o marido chegar de Canoas, onde trabalhava, para, então, comprar o enxovalzinho. Não deu tempo.
Jussara, vaidosa, pegou no armário uma caixa, com uma camisola e um roupão novinhos, para levar ao Hospital. Sim, falei que eu a levaria ao Hospital. Ela e o Samuel (era o nome que deu ao bebê).
Vestimos o bebê e quando abrimos a porta para sair, havia uma assembléia dos moradores na estrada, em frente ao barraco. Fomos acolhidos com uma salva de palmas.

Na platéria, já de pé, Jurema batia palmas, o ataque havia passado. Nem quis ir ao Hospital.
O médico examinou Jussara e me disse: " Bom trabalho, está tudo perfeito, o nenê também está ótimo".
Já eram vinte horas. Iam dormir no hospital, apenas para observação. No outro dia dariam alta.
Jussara nos visitou uns anos depois. O guri era forte e lindo. Nunca mais os vi. Mudaram-se para Canoas, onde o marido trabalhava.

Apesar da falta d'água, me chamou a atenção, a cama muito bem arrumada, cujas roupas me pareceram alvas, frente à cor cinza-escuro das paredes. Na cozinha, numa prateleira, brilhavam as panelas de alumínio, limpíssimas, bem como a chapa do fogão a lenha.
E olha que não é fácil manter roupas e panelas tão limpas e fazer a higiene pessoal e das crianças, sem água encanada, tendo que caminhar trezentos metros até a fonte, transportando água em baldes e no caso da Jussara, pior ainda, grávida, com duas crianças para cuidar e com o marido ausente.

Esse episódio me ajudou a entender mais a vida das mulheres pobres e a garra e resistência na luta pela vida. Me ajudou a combater em mim mesma, o preconceito com os negros e com os pobres. Estive presente nas lutas desse Quilombola durante anos. Aprendi muito com aquela comunidade de negros.

sábado, 28 de agosto de 2010

ELEIÇÕES

Todo esse aparato de carros e ônibus com a "lata" dos candidatos e mega som, cantando as músicas-temas de campanha (algumas muito hilárias ou ridículas), muita gente, com cara de enterro, entregando "santinhos", cada vez mais produzidos, com papéis cada vez mais caros...faz a gente enjoar, soa na nossa mente um sinal de alerta: precisa ser assim?

Olho para os rostos patéticos, sem expressão dos militantes pagos, que não convencem ninguém e fico pensando no tempo em que se fazia política com paixão. Pelo menos comigo foi assim. Ser candidata pelo PT, era colocar-se na vitrine do sacrifício (porque a gente não tinha dinheiro e pouca possibilidade concreta de se eleger) a gente "ia pro sacrifício". Sacrifício bom, cheio de "tesão", porque era feito para defender projeto transformador, visando uma sociedade nova, humanizada.
Hoje sobram candidatos, a disputa é acirrada. A campanha é profissionalizada (eleger-se é manter a profissão, para muitos).
Ainda tem os que acreditam que a eleição é um espaço transformador e é, de fato, a democracia que temos. O sistema institucional precisa das eleições. Então por que paira no ar, e na mídia e nas conversas, uma certa rejeição aos políticos? Um deboche e um processo midiático de ridicularizar os políticos? Os humoristas chegaram a fazer protestos para garantir, no judiciário, o direito de ridicularizar os políticos.

Eu entendo que é preciso respeitar as pessoas, enquanto pessoas, que estão participando de um processo institucional, insuficiente como democracia, é verdade, mas consensual na sociedade como necessário.
Quanto ao projeto Ficha Limpa, é inútil, pois tem um aparato de outras leis que impedem certas falcatruas de governantes de se tornarem crime. Vejam, o caso da governadora Ieda, havia um dossiê de evidências sobre a ilegalidade na compra da mansão. Foi para CPI no legislativo e, como ela tinha maioria, foi arquivado. A maioria na Câmara garantiu a impunidade. O ex-deputado João Luiz Vargas, envolvido em outros casos de corrupção, foi afastado do cargo no Tribunal de Contas, recebendo uma aposentadoria antecipada e está concorrendo novamente. Há centenas de casos assim.

As campanhas eleitorais me fazem lembrar meu período de militante e de candidata. Lembro tantas histórias, porque minhas campanhas não eram de militância paga, não apenas porque não tinha dinheiro, mas também porque não faz parte de minhas concepções. Eu e meus apoiadores, íamos nas casas, caminhávamos por entre as pessoas, conversávamos. Éramos acolhidos, ouvíamos as histórias, e também levávamos corridão, principalmente dos cachorros brabos.
Aconteciam episódios cômicos, perigosos também.
De todos os processos que participei, só me elegi vereadora em Restinga Seca, faz muito tempo. Mas lembro das histórias de vereadoras e foram muito significativas. Era militância, luta e participação. Qualquer dia conto alguns episódios.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

INSANIDADE CRIMINOSA


Nosso modo de vida capitalista, individualista, consumista e arrogante, já torna insustentável a vida das futuras gerações, se mantivermos os mesmos paradigmas: transporte via automóveis individuais, uso indiscriminado de plásticos, agrotóxicos nos alimentos, uso abusivo da água, desmatamento, produção absurda de lixo, desperdício, extermínio de espécies... Já estamos sentindo os efeitos do aquecimento global, já estamos vivendo a falta de água, as novas doenças, as catástrofes climáticas...

Não bastasse tudo isso, os acidentes ecológicos gigantescos não param de acontecer: o trágico vasamento de óleo lá nos Estados Unidos é um dos mais recentes e amedrontadores acidentes, que matou muitas vidas de animais e de ecossistemas. E já não se fala mais.

Agora, o mais recente: As queimadas continentais. Uma vergonha e, sabe-se, poucas são acidentais. São fruto de um ganancioso hábito: queimar os campos para economizar. Hábito burro, que devasta a natureza, empobrece o solo. Mas é, antes de tudo, um ato criminoso. Não porque as leis digam que são, mas porque são mesmo: fogem ao controle da propriedade privada da terra, de quem é incendiário (que não tem esse direito), mas ainda avança sobre as áreas dos outros, sobre reservas florestais e ambientais. E MATA. Morre gente, embora pouca, queima algumas casas. Alguns são multados, é verdade.
Mas isso é absolutamente insuficiente. Além da multa esses crimes deveriam ser apurados e tratados como crime com muito mais rigor, porque MATA, porque comete genocídio. Mata onça, macacos, aves, cobras, tatús...bem, mas isso não é gente e então não é crime! Mais ou menos isso, é o que se passa.

É menos crime matar pessoas do que centenas, milhares de animais ( de todas as espécies), plantas, poluição de águas...fumaça nas cidades, nas estradas, provocando doenças e acidentes?
Por acaso cada animal morto não merece viver? Tudo isso vem da arrogância humana, ocidental, do ser humano ter rompido com a natureza, ter estabelecido uma relação de mercado com a natureza. A separação homem X natureza, permite que nos coloquecemos acima das outras vidas, numa relação hierárquica e arrogante, burra e criminosa. Mas a Gaia sobreviverá, nós possivelmente não, se continuarmos assim.

O Lucro tem estado acima dos cuidados com a vida.
Fala-se dos prejuízos, e é, de fato, um prejuízo que todos pagamos, que a natureza paga com a vida. Os fazendeiros, o agronegócio (sujeitos das queimadas), vão economizar, plantar pastagens, onde antes havia florestas, fauna e flora, exportar, embolsar os lucros e deixar, sempre, as externalidades negativas para o conjunto das populações pagarem pelos danos causados por esses atos insanos.
E o pior é que o que se ouve a respeito é tão insipiente, tão superficial, como se fossem acontecimentos sem importância, rotineiros. Fala-se mais das drogas, dos acidentes de trânsito,que também são fruto de um modo de vida que está ficando insustentável.

Precisamos aprender com os ameríndios, que cada ser da floresta é parte de nossa vida. Precisamos aprender com a floresta, com os animais, que também somos parte do ecossistema, que precisamos sentir e agir com solidariedade para com as outras espécies. Apesar disso acredito no ser humano, ainda, e tenho clareza de que todos somos responsáveis. Os únicos inocentes são os animais, as plantas e as criancinhas. Ah, não consegui escrever o que sinto, mas queria manifestar minha enorme preocupação e indignação. Precisamos nos sentir sacudidos e inventar alguma forma de ação.

sábado, 14 de agosto de 2010

16 de agosto: uma dia inesquecível


Impossível para mim e para o Irineu esquecer esse dia, 16 de agosto. À tardinha, em Porto Alegre, pegamos um táxi e fomos ao Hospital Moinhos de Vento: a criança completava seu tempo e queria nascer. Apesar de tentar saber se era menino ou menina, os exames não conseguiram descobrir. Era uma grande espectativa. Nós estávamos felizes.

Chegamos e o médico demorou a me examinar, embora eu já estivesse com muita dor. Quando chegou, as dezenove e trinta minutos, me examinou e comunicou que eu deveria ir ao bloco cirúrgico, precisaria de cesariana, a dilatação era pouca. As vinte horas ouvi o choro e uma enfermeira me comunicou: "é uma linda menina"! Não tínhamos mesmo preferência e logo pensei: "que bom, vai ser parceira da Lúcia", nossa primeira filha.

Continua sendo uma alegria ter a Silvana em nossas vidas. Eu teria tantas coisas para dizer a essa filha amada, mas tudo o que eu disser ela vai dizer que é corujice de mãe.
Sou coruja mesmo: eu tenho a convicção de que a Silvana é, sim, um belo ser humano. O Irineu também acha isso.

Filha, amada, para te homenagear, te ofereço uma poesia do Mário Quintana, que gosto muito. Não tem nenhuma indireta, com essa poesia, gosto dela pela idéia de envolver a totalidade do teu ser num grande abraço amoroso, pleno de uma firme vontade que sejas simplesmente uma pessoa de bem com a vida. Que nunca te faltem amigos, que nunca sintas solidão, que tenhas muito amor e saúde e que sejas motivo de alegria para as pessoas que contigo conviverem.
Escolhi uma foto que acho linda e que é bem tu mesmo: simples e linda.
Aí vai a poesia:

AMOR É SÍNTESE
(Mário Quintana)
"Por favor não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise profunda
Quanto mais eu
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor
Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem por
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito amor".

uma semana de prazer e de afeto


Eu e o Irineu estivemos uma semana em Santo Ângelo, passeando, na casa da Carla e Adriano (minha cunhada e meu irmão). Curtindo as crianças: Vinícius e Cecília. Ele com seis anos, esperto, ativo, fofo. Ela com quatro meses: fofa, risonha, esperta...uma loucura. Pura ternura, pura poesia!

Uma semana brincando, acariciando, rindo. O olhar fixo da pequena Cecília, estudando o nosso olhar e depois ofertando o mais lindo e generoso sorriso, comovia, deixava a gente abobalhado, falando aquelas abobadas idiotices que a gente diz rindo para as crianças. Me enbriaguei na alegria de estar com esses dois sobrinhos.

Claro que comemos muito, bebemos, olhamos filme, ouvimos música, fizemos pão, rizoto. Costurei um pouco para minha cunhada.
Meu irmão e minha cunhada são uns pais muito fofos, tranquilos, amorosos. Bom conviver com eles. Dias de boas lembranças do tempo em que nossos quatro filhos eram pequenos. No dia dos pais estávamos lá com eles, lembramos tantos dias dos pais felizes com nossos filhos, que eram fofos e que são muito boa gente. Foram dias de reflexões, também.

Naqueles dias fui para a Internet e li uma notícia terrível: Haviam encontrado na Colômbia 2.000 corpos numa vala comum. Tudo muito recente e um sobrevivente relatou que os soldados da guarda do ex governo Uribe, amarravam homens e mulheres, vivos, e soltavam cachorros famintos, para que matassem essas criaturas aos poucos, enquanto saciavam sua fome. Quanta maldade! Nada justifica isso.

Aí me veio um pensamento, que é recorrente na minha vida: as mães (também alguns pais) deveriam protestar de forma avassaladora contra todas as agressões à vida humana.
Quantos cuidados: amamentar, levantar à noite para agasalhar, tapar, consolar, dar remédio. Alimentar, vestir, contar histórias, olhar os temas, ensinar cantar, rezar, respeitar, falar, ouvir, beijar, amar...Tantos cuidados! E muitas dessas mães precisam suportar a morte de seus filhos amados. Mortes sem doença, sem sentido, brutais: no trânsito, de balas perdidas, agredidos, assassinados, de overdose, na guerra, na vala...Quanta dor! Quanto desrespeito com as vidas que ofertamos ao mundo!

Desculpem meus comentários trágicos, mas penso que não basta cuidar da vida de nossos filhos, é preciso a gente cuidar do mundo: de toda forma de vida, dos filhos de todo mundo. Faço pouco, mas no meu coração esse é um compromisso que tenho tentado assumir, no meu caso, através da educação, junto com meu companheiro de vida, o Irineu.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

REFLEXÕES


Tenho lido e acompanhado alguns documentários sobre a sociedade norte-americana e sua atual crise econômica e social. Hoje, enquanto cozinhava o pão integral que fiz (e ficou muito bom: pão com mistura de farinha de linhaça), eu pensava nas mudanças que ocorreram na minha cabeça em relação aos Estados Unidos.

Houve um tempo em que eu tinha quase aversão àquele país. Combatia o que costumava chamar de país imperialista e, sempre que possível, eu denunciava as práticas imperialistas, belicistas e opressoras, em relação, principalmente, ao terceiro mundo.

Continuo sendo crítica às ocupações militares, às bases militares em todo mundo, etc., mas hoje eu procuro não difamar a população norteamericana. Sei que há muita luta e resistência por lá.
No entanto, esta semana dois momentos me fazem falar dos Estados Unidos.

Um é um texto da internet que li sobre o sistema de ensino implantado pelo governo Bush e seguido e elogiado por Obama. A professora americana que comenta, foi uma espécie de ministra da educação (desculpem não lembrar o nome, perdi o texto na rede, tentei encontrá-l0 e não consegui). Ela afirma que achava, com honestidade, que o sistema de avaliação externa, que servia de base para a meritocracia, era a melhor forma de melhorar o ensino. A ênfase do ensino era matemática e linguagem. Desprezavam disciplinas como filosofia, história, sociologia. Os recursos para as escolas eram proporcionais aos desempenhos da mesma, avaliados por provas do governo e a remeneração aos professores, da mesma forma.

Hoje ela avalia que o sistema gerou uma série de desvios e corrupções no sistema e que o ensino não melhorou e defende a volta das disciplinas humanas e sociais e o fim da meritocracia. Isso é preocupante, porque o modelo americano tem inspirado governos por aqui e até o MEC tem copiado algumas iniciativas, entre elas a avaliação externa.

Outro evento foi um documentário que vimos, sobre o sistema de saúde americano. Um documentário de Michael Moore. A ausência de um sistema público de saúde e a total privatização do setor, voltado exclusivamente aos objetivos de lucros, levou as pessoas ao desespero. A doença deixou muitos na miséria, sem casa, sem nada. As seguradoras de saúde, negam tratamento. Os médicos só atendem com a autorização das seguradoras e estas tem uma lista infinita de doenças e condições que impedem o atendimento. Os doentes são descartados pelos hospitais nos meios-fios das calçadas (jogados na rua para morrer).

Michael Moore, vai à Inglaterra e à França para ver como funciona os sistemas públicos de saúde e verifica que por lá o atendimento é integralmente gratuíto, de boa qualidade e inegociável, com cobertura total, sem restrições. Médico e enfermeiros ganham muito bem e trabalham exclusivamente no setor público. Cabe a pergunta: Por que uma nação tão rica e poderosa não pode oferecer o mesmo aos seus cidadãos? Jogar pessoas na rua, desamparadas, sem atendimento para morrer? Que civilização é essa que quer se apresentar ao mundo como defensora da democracia e dos direitos humanos, deixando morrer por falta de atendimento? E, notem, isso não é crime nos Estados Unidos, não dá processo. E o brutal é que muitos médicos (conforme depoimentos deles mesmos) trabalham, ou trabalharam, para seguradoras com a finalidade de negar atendimento a pessoas que estão condenadas a morrer de câncer, diabetes e outras doenças graves. Revelaram isso, com vergonha e remorço.

E, no final, o jornalista leva um grupo de pessoas que contraíram graves enfermidades, no trabalho de socorro às vítimas do atentado de 11 de setembro, a Cuba e lá, totalmente de graça, os cubanos tratam dessas pessoas, com carinho e solidariedade. Comovente! Cheguei a ter pena da população dos Estados Unidos, tão desamparadas, no quesito doença! Claro que aqui a barra é pesada, e sinto indignação com a situação de precarização na saúde, mas apesar de nossa pobreza, ainda nosso povo é bem menos abandonado do que os cidadãos norteamericanos.
O documentário serve para que a gente não caia na besteira de implantar aqui nenhum modelo de saúde copiado dos Estados Unidos. É bom, nesse caso, copiar a França. Mas aqui, a saúde precisa entrar pela boca, pela moradia e saneamento, principalmente.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O MUNDO E O COTIDIANO


Enquanto faço o serviço cotidiano, que a gente tem que fazer numa casa, penso nos acontecimentos do mundo e penso em escrever. Mas são tantas coisas que me deixam indignada e preocupada que vira um turbilhão em minha cabeça.

Tantas coisas gravíssimas que atingem toda a humanidade e tantas muito mal resolvidas e sem explicação que justifique:
1- O desastre ecológico no Golfo do México. Quanto óleo no fundo do mar, quantas vidas terrestres e marinhas, de animais e plantas perdidas! As notícias só falam do prejuízo econômico. Quem vai pagar o prejuízo ambiental? Alguém vai ser punido? A empresa vai investir recursos na recuperação ambiental? Ninguém dá explicação e olhe que tenho procurado!

2)Os documentos secretos que foram divulgados sobre as guerras do Afganistão e Iraque. Quantos inocentes mortos (crianças, escolas bombardeadas, hospitais, etc.)! Os matadores? Os Estados Unidos da América. Em nome de que? E ainda deram um Premio Nobel ao Obama. Sua política externa tem sido um fracasso além de criminosa e insana! Continuidade do Busch.

3)As barbáries cometidas por Israel contra a Palestina. Um campo de concentração na Faixa de Gaza. Outro Holocausto e o mundo parece conformado com isso. Cadê os Direitos Humanos e a ONU?

4)A Usina de belo Monte. Quanta Polêmica! De fato será um custo enorme ao meio ambiente. Custará vidas indígenas? Acho que sim e aí todos somos culpados. Gostamos dos confortos proporcionados pela energia elétrica, mas isso tem altos preços ambientais e humanos. Será mesmo energia limpa? Quais seriam as alternativas?

5) E as tragédias no trânsito? Não pode ser encarado com normalidade! Os números são altíssimos. E todos temos sido coniventes com esse modo de vida, baseado no automóvel particular, no asfalto. Mas também, com o lixo que é o transporte coletivo! Mover-se é uma necessidade, mas não tenho ouvido quase ninguém falar em outras alternativas. Há uma monstruosa estrutura lucrativa, ancorada nos veículos particulares! Vai continuar morrendo muuuuuita gente. Isso é triste!

6)E os crimes hediondos? Mulheres continuam sendo brutalmente assassinadas e a forma como isso é tratado é revoltante! Não tem adiantado Leis como a Maria da Penha. A cultura machista e proprietária sobre a mulher e as meninas vão continuar vitimando mulheres e meninas, mas não só, crianças também.

7) E tem os escândalos da pedofilia na Igreja! Que vergonha!

Tenho tentado entender tudo isso e me sinto tão impotente! Gostaria de me engajar e lutar para contribuir para transformações. Enquanto isso quase sinto remorso de ter tanto conforto e tanta alegria em minha vida.

Gosto do cotidiano. Quando estou cozinhando eu penso no prazer que as pessoas vão sentir ao comer os alimentos que preparo. E acho que são bons mesmo! E fico feliz quando os filhos e o marido elogiam. Lavar as roupas, consertá-las, costurar, fazer barra, passar, enfeitar a casa, arrumar, fazer pão, bolo, cuca, cultivar plantas, ver bons filmes, sair para dançar, caminhar, ir ao teatro, ir ao mercado, nos aquecer na lareira... Receber visita dos filhos, dos irmãos e sobrinhos é uma alegria imensa! Ah, e tem a nora querida que me dá chocolate, e os meus genros, que estimo muito.
A vida deveria ser assim para todo mundo. Mas a alegria só pode ser plena o dia em que todos puderem viver assim: com fartura, ( não consumismo) conforto, amor e paz. As alegrias do cotidiano! Mas estamos longe disso. Não posso ser indiferente com a fome, a violência, a degradação ambiental, a acumulação, a desigualdade, o desamor!
Gostaria de poder contribuir mais para melhorar o mundo!

Acredito, sim, que o cotidiano é resistência, é produtivo, é construção de modos de vida. As relações humanas, amorosas são transformadoras, precisam ser entendidas como vida que se renova, que brota das mãos que fazem, que acariciam, dos braços que abraçam, que cuidam, que acolhem, que compartilham. Isso tem tudo a ver com o que acontece no mundo. A vida cotidiana de relações e de afeto é força e é potência. Nos desastres e tragédias, o que salva é a força da solidariedade, dos fazeres que acolhem, que fazem junto, que cooperam. É nisso que acredito.