quinta-feira, 2 de agosto de 2018

As consequências do golpe, as "medidas saneadoras" e as perguntas que nos cercam



Fui contadora e professora de economia, mas dou início a este balanço como cidadã comum, mulher, mãe, avó, assalariada e dona de casa.
Derrubaram a Presidente Dilma por causa das “pedaladas”, desculpa ridícula e mentirosa. O povo foi instigado a ir às ruas por causa do descontrole das contas públicas, porque estava incomodado com os aumentos dos combustíveis, da luz, do gás, porque algumas medidas haviam cortado gastos públicos e porque ela fez algumas alterações na legislação da seguridade social, na previdência e...? Por que mais?
Também diziam que a inflação estava subindo, a recessão aumentando, o crescimento econômico muito baixo, o desemprego crescendo e que eram necessárias medidas duras de ajuste fiscal e uma efetiva reforma trabalhista para atrair investidores e ofertar mais empregos. 




            Hoje é possível analisar como estamos vivendo nos governos do MDB. Meu salário não teve reajuste, recebo parcelado, tenho que controlar muito onde e em que gastar porque empobreci: os combustíveis, o gás, a luz, a água, os medicamentos, os alimentos, as roupas, tudo está mais caro, apesar de dizerem que a inflação baixou. Sim, inflação baixa com preços altos. Por quê? Porque estamos vivendo uma brutal recessão. Não se pode gastar.
       Mas eu ainda tenho a garantia do salário mensal. Muitos perderam os empregos, muitos desistiram de procurar.
Eu me pergunto: quais foram as medidas saneadoras do governo golpista? Das leituras da Carta Capital, do Le Monde Brasil, e das notícias oficiais, mesmo como cidadã comum, algumas a gente já pode apontar e analisar.
Dá para afirmar que as medidas saneadoras não sanearam nada e não trouxeram nada de bom para a população. Funcionaram ao contrário. A aprovação da Emenda Constitucional(EC) 95 (Teto de Gastos) fez e continuará fazendo por 20 anos, cortes orçamentários em políticas públicas essenciais, que são básicas para a proteção social, ou seja, impactam os salários indiretos e acontecem sobre o lado mais fraco da população (saúde, educação, seguridade social, habitação popular, saneamento, transporte, etc.). O governo não cortou nas despesas financeiras que em 2018 têm dotação de 53% do orçamento de União (o lado mais forte). Qual o resultado disso? Aumento do desemprego, fechamento de postos de trabalho (apesar da reforma trabalhista), queda no salário mínimo e, de modo geral, ampliaram-se as desigualdades.


O pequeno crescimento no PIB não tem refletido no aumento de oportunidades de empregos, talvez porque o crescimento tenha ocorrido no setor agroexportador, extremamente mecanizado que não aumenta a oferta de empregos, até desemprega na medida em que avança em tecnologias, seguindo uma tendência mundial em relação às modificações nas formas de trabalho contemporâneo.
             Muitas conquistas populares de combate à fome e à pobreza estão ameaçadas com a EC 95. Um dos programas ameaçados é o Programa Farmácia Popular que chegou a cobrir 80% dos municípios. Programa que atende o direito ao acesso a medicamentos. Já foram fechadas 314 farmácias populares.
         Outros cortes foram no combate à violência de gênero. O Programa de acolhimento às mulheres vítimas de violência, que previa a construção das Casas da Mulher, parou e algumas foram fechadas por falta de recursos.
 Institutos de Pesquisas como o INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos) calcula que a EC 95 que corta gastos primários, gastos em programas sociais, responsáveis pela proteção social ao cidadão, cairá de 20% do PIB para 12%. Isso significa aumento significativo da pobreza extrema. O governo não considerou alternativas como o combate à evasão fiscal que deixará de arrecadar 160,4 bilhões de dólares (quatro vezes o déficit federal de 2016), não revisou os incentivos fiscais, muitos sem comprovarem os efeitos positivos para o país e que giram em torno de 250 bilhões de reais anuais (5% do PIB). Sem falar na reforma fiscal, que deveria tributar lucros e dividendos e não o faz.
            Ademais, outras perguntas se fazem necessárias:
Por que dolarizar os preços dos combustíveis? Com a descoberta do Pré-Sal, e considerando a comprovada capacidade técnica da Petrobrás de realizar prospecção e refino, pois temos capacidade de refinar 90% dos combustíveis e gás que precisamos (segundo informações dos petroleiros), por que pagamos tão caro pelos combustíveis? 
A Petrobrás tem como objetivo em seu regimento atender às necessidades de abastecimento em combustíveis do povo brasileiro, sem deixar de realizar bons negócios. No entanto, as notícias que temos é que estamos importando os produtos refinados de fora do país enquanto temos 70% de nossas refinarias ociosas. É preciso isso? A quem interessa a dolarização dos preços dos combustíveis?

       De modo geral todas as medidas do atual governo pesam sobre os ombros da população. Inclusive as medidas de combate à violência. Estão morrendo mulheres, jovens e crianças, numa guerra sem fim.  Na verdade, as forças de segurança lá estão para proteger as propriedades, sem preocupação com as vidas que quase diariamente são ceifadas.
         Nosso povo é inteligente e trabalhador, mas precisa de moradia, alimentação, transporte barato, comunicação, educação de qualidade, saúde...para ser produtivo. Sem acessibilidade ninguém é produtivo.  Sair da crise é aumentar a produtividade da população, garantindo-lhe condições para a vida e para o trabalho.
Mas o golpe não foi feito para contemplar a maioria da população. O golpe não teve apenas um caráter econômico, teve inspiração racista, fascista, de intolerância. Instigou o ódio, adubou o machismo, a homofobia, a rejeição ao negro, ao índio, às mulheres, principalmente as mulheres negras. Entre outras formas de discriminação.
            O mesmo Congresso golpista aprova leis terríveis que atacam a vida. Refiro-me à liberação de venenos na agricultura, não mais tolerados no resto do mundo. O Brasil vai se afirmando como o país paraíso dos lucros, sem barreiras à expansão do Capital que ataca a saúde e a vida de forma geral.
            As medidas de ajuste fiscal são certamente recessivas, antidemocráticas e aprofundam cada vez mais a pobreza e a dependência. A água, a energia, as sementes, o conhecimento, o solo, são fundamentais para a manutenção da vida e da soberania e não podem servir aos propósitos dos lucros e da acumulação.
         Um governo popular tem que garantir as medidas de proteção à vida (alimentos, saúde, cuidado com os alimentos, com a defesa do meio ambiente).
Tem também que preservar da ganância do Mercado e do lucro aquilo que deve ser comum da humanidade: a energia, as águas, as sementes, os solos urbanos e rurais, os conhecimentos, o saneamento, etc.. As pessoas precisam morar, transitar, estudar, cuidar da saúde, ter segurança alimentar, livre dos venenos.
O processo eleitoral não dará conta dessa complexidade de problemas, só a luta popular e a resistência solidária poderão construir emancipação. Para sair do cansaço e desânimo temos que começar a investir emocionalmente nos outros, na amizade, na solidariedade, no amor. 

“Se não formos capazes de sentir empatia, o futuro não existe. São os outros que nos validam que nos conferem humanidade” (BIFO).

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