terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Aniversário de minha mãe

Dia 13 de dezembro de 1925, nascia Maria Lúcia Bonelli Lovatto, no interior de Cachoeira do Sul (Estiva). Hoje completa 86 anos.
Filha de descendentes diretos de imigrantes italianos. Sua mãe, Vitória Bonelli nasceu em um dos navios que trouxeram imigrantes da Itália, em plena travessia do Oceano Atlântico.
Seus pais, sem terras próprias, chegaram a tornar-se empresários de arroz, plantando em terras arrendadas. Foram bem sucedidos, plantando nas margens do rio Jacuí. Viveram períodos de fartura. Produziam com o que havia de mais moderno, na época. Chegaram a ter dezenas de empregados.

De acordo com os relatos de minha mãe, meu avô Joanin Lovatto mandou vir um bom professor de Santa Maria para dar aulas às filhas ( o filho estudava em S.Maria) e aos empregados. Foi assim que elas e os empregados se alfabetizaram a aprenderam conteúdos históricos e geográficos, bem como alguns cálculos matemáticos, aplicáveis às necessidades da vida.

Com a crise de 1929, que afetou o Brasil durante décadas, a empresa do "nono" quebrou.
Minha mãe, já casada com meu pai Delmiro Copetti, também sem terras ou patrimônio, teve oito filhos e ambos trabalharam muito. Juntaram um razoável patrimônio que também foi dilapidado por outra crise: o galopante procresso inflacionário que durou décadas e que se tornou nosso conhecido, fantasma que continua a nos assustar.

Mas, apesar das dificuldades, criaram os oito filhos e todos estudaram, se formaram e estão bem. Claro, que os mais velhos, trabalhando e estudando e ajudando a sustentar os mais novos.
No entanto, é preciso ressaltar os méritos de nossa mãe, que nos empurrou para a vida, nos ensinou a trabalhar e nos forçou a estudar.

Neste dia, quero homenageá-la, lembrando a força e a potência de vida desta mulher silenciosa, de poucas palavras, de poucos sorrisos, tímida, mas que fez um grande trabalho.
Tinha muita sabedoria.
Criou os filhos numa época difícil e é pertinente lembrar que foi com muito poucos recursos e conforto.
Não havia água encanada (tinha que puxar água de poço), lavar roupa na fonte, porque,obviamente, não havia máquina de lavar roupas, nem geladeira, nem fogão a gás.
Nem era possível sair às compras pois lá, no meio rural, não tinha mercado, mercearia, açougue, padaria. Pão ela os fez a vida toda, em forno de tijolo e barro. A carne era de galinhas, porcos, cabritos, criados na propriedade. Frutas, verduras, legumes., feijão, milho, etc. também eram produzidos nas roças caseiras, fruto do trabalho, principalmente da mãe, com a ajuda dos filhos mais velhos, que iam crescendo e ajudando.
O leite, o queijo também eram produzidos em casa.

As roupas, os acolchoados, ela fazia, todas, inclusive as bombachas do pai.
E é bom lembrar, não havia fraldas descartáveis, e nem posto de saúde, SAMÚ, etc. Ela tinha um livro: O Conselheiro Médico do Lar, que orientava sobre os sintomas das doenças e viroses e tinha os conselhos sobre o que fazer: chás, compressas, pomadas, charopes, hidroterapia.

Nos criamos num lugar denominado São Gabriel, hoje município de Ametista do Sul.
Nosso pai serrou as táboas e fez a nossa casa. Ele montou um engenho de serra e depois serrou a madeira para as casas da maioria dos moradores do lugar, naquela época. Isso, aproximadamente lá pelos anos 1955.
Foi a primeira casa com assoalho.
Lembro-me da admiração de uma visinha quando a mãe mostrou-lhe os talheres inoxidáveis que o pai havia trazido de São Paulo, onde viajava para vender madeira.

Nossa casa era toda de madeira, com áreas de ripinhas, bem pintadinha, bem bonita, com jardim e roseiras. Minha mãe era muito caprichosa. Lembro dos vestidinhos que ela nos fazia, bem bonitos e das camisas e calças de meus irmãos. Sempre bem limpos e bonitos.

Houve um tempo em que não havia escola e a mãe alfabetizou e ensinou os primeiros cálculos para os quatro irmãos mais velhos, inclusive para mim.
Também foi nossa catequista. Ela sempre gostou de ler e tinha uma letra muito bonita.
Também nos ensinou a cozinhar, lavar, passar, cuidar da casa, bordar e até um pouco de costura.

Quando a crise começou a apertar, ela foi a primeira a ir abrindo mão de nossa presença e de nossa ajuda para que ganhássemos o mundo em busca do estudo. Não nos deram tudo não, tivemos de trabalhar muito, mas nos viramos e estudamos.
Obrigada mãe, teus cuidados e tua confiança em nós nos fez crescer.

Como ela está durando tanto?
Bom isso é até cômico: me criei achando que a mãe era bem doente, ela se cuidava muito e quando começou a ser possível, ela buscou médicos e todos os recursos disponíveis para se renovar e "se curar" das hipotéticas doenças. Mora comigo a mais de 20 anos e descobri que ela não tem doença nenhuma e vai longe, ainda lúcida.
Sempre que posso tento conversar com ela e aos poucos ela me conta coisas que desconheço.
É uma matriarca forte e uma vencedora, embora não se dê conta disso.

10 comentários:

  1. Tereza parabéns pelas tuas palavras e texto. Ao ler me voltou fatos da história. Mundial. A Europa pobre passava fome e seus filhos e filhas tomavam o rumo de novas fronteiras. Hoje a europa passa por mais um período de dificuldades. Fico me perguntando se um dia veremos uma verdadeira mudança política nos países ditos mais ricos do mundo. Todos esses anos de crises nunca serviram para que olhassem alem do seu próprio bem estar. As vezes vemos as pessoas se orgulharem por terem nomes estrangeiros, chegando ate mesmo ao cumulo de acreditarem na supremacia racial e nao lembramos que nossos avos eram pobres, fugiram da miséria em seus países de origem e isso serve para holandeses, italianos, alemães , judeus e etc. Convivo, principalmente aqui no RS com famílias que se orgulham de suas etnias, da sua herança ariana, mas nao lembram do passado humilde de seus ate assados q aqui chegaram. Que piores q os negros que ao contrário aqui chegaram forçados, caçados, nao passavam fome em suas tribos. Diferentes da maioria de nos que levam nomes estrangeiros. Por mais que a gente insista em separar os homens em classes a verdade é bem outra, temos uma história bem mais feia do que a gloria q criamos ao nosso redor. Hoje estamos ai, vendo a Europa pedir ajuda de novo.

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  2. Prezado Moisés, Obrigado por ter lido e comentado meu texto. Quanto à Europa, não bastasse a história expansionista, racista, ainda hoje a solução para a crise que está propondo, mais uma vez, sacrifica os pobres, os trabalhadores, os estrangeiros. Crescem as práticas de chenofobismo e o receituário não contempla a necessidade de redistribuir o estoque de riquezas acumuladas nas mãos de poucos, não considera políticas sociais que poderiam colocar recursos de vida nas mãos de quem realmente produz: os corpos dos seres humanos comuns: É a vida que é produtiva. A crise vai longe e nos ameaça a todos. Abraços

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  3. Sim, como as elites européias, e nós também envolvidos por sua cultura somos arrogantes, insensiveis,pois não reconhecemos várias guerras construidas na nossa historia.Perdemos o pelo ,a pele enão perdemos o costume do fascismoMas ajustiça está chegando para eles e vai chegar para nós também no Brasil ao menos que abramos a guarda para esta enorme multidão índia, negra, pobre, mestiça que invade todos os espaços econõmicos ,produtivos,culturais do Brasil e da América Latina e que já mostram novos caminhos para o mundo.

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  4. Obrigada Irineu pela tua participação. Como sempre teus comentários são muito pertinentes.

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  5. É necessário desenvolver certa olhar sensível pra não ver só o que a vó no mostra diariamente. Lindo relato, mãe.

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  6. Que bom teu comentário. A gente deixa de perceber os gestos bons, justos e generosos. A mãe continua surpreendendo, dentro dos limites da memória dela, nas confusões da senilidade. Penso que os registros resgatam a pessoa humana e sua importância no mundo. Ela foi fundamental e eu gosto de lembrar. Obrigada.

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  7. Que lindo o que escreveste sobre a mãe.. Como filha mais velha confirmo tudo!! É muito importante e justo resgatar a história de nossa mãe, muitas vezes incompreendida e injustiçada... Principalmente por ti, que também sofre das mesmas dores!!! Estou bastante atrasada ao comentar, pois não pude ler antes. Lindo, justo, necessário e histórico!

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  8. Querida irmã! Ao reler o texto, vi que me atrapalhei na pontuação e a interpretação ficou prejudicada. Não quis dizer que a mãe foi injustiçada por ti... O alvo era outro. Perdão.

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  9. Valeu irmã, gostei do comentário. SZei que não consigo ser melhor, mas me esforço.

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  10. Interessante narrativa! Gostei das descrições...bem ilustrativas. Parabéns! E parabéns pra vó.

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