quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

DESCOBRINDO SANTA MARIA

Eduardo Galeano, aquele escritor uruguaio que escreveu Veias Abertas da América Latina, diz que despertou para a poesia e para a escrita, nos bares de Montevidéu, observando as pessoas e ouvindo. Muito mais ouvindo, mas para isso é preciso ter tido tempo. Diz ele: "Mas os cafés típicos de Montevidéu pertenciam a uma época que não existe mais. Pertenciam a um tempo no qual havia tempo para perder tempo".
Pois é, eu não tinha tempo e nem inspiração para escrever. Passei muito tempo trabalhando e militando politicamente. Agora quero ter tempo e tento escrever, é um novo aprendizado. Cada texto é um parto.
Falo isso para dizer que, se não escrevo mais, é pela minha dificuldade porque Santa maria tem me dado muitos motivos para escrever. Tenho descoberto uma cidade fértil, que tem oferecido, de graça, teatro, dança, cinema, música, arte. E gente nas ruas, muita gente para conversar, observar e ouvir, como aconselha o Galeano. Fazem 4 meses que estamos residindo nesta cidade e não estamos conseguindo acompanhar tudo o que gostaríamos e temos saído muito, curtido muito, mas na hora de escrever, a produção é pobre. Mas vou contando, aos poucos. Podia falar dos estudantes, dos camelos, dos operários das construções. Mas o que tem me comovido são os índios de Santa Maria.
Os índios tem feito parte do cotidiano de Santa maria. Quem caminha pela cidade pode observá-los e observar as pessoas. Estas passam, com tanta indiferença e naturalidade pelos índios, índias, crianças índias de todos os tamanhos e idades, pobres, sentados no chão das calçadas, vendendo seus trabalhos artesanais. Eles,os legítimos donos das terras de nosso país, não aprenderam e não se prepararam para viver na dependência da moeda, do mercado, tentam ganhar dinheiro com seu artesanato. Empobrecidos, expulsos das matas pelo latifúndio, pelo agronegócio e pela especulação imobiliária, fazem cestos e pequenas réplicas de animais selvagens, como onças e tatus (em extinção) . Alguém me perguntou: " mas será que esses índios só sabem fazer isso para ganhar dinheiro?" Não, sabem muito, ou sabiam: sabem das matas, das ervas, dos bichos, das águas, do poder de cura das plantas,...mas para ganhar dinheiro no nosso sistema de mercado, dependente da moeda, sabem pouco".
Integrá-los à nossa cultura, substituir sua cultura, torná-los capazes de competir no sistema capitalista, é impossível. São as vítimas aceitas, o custo social do nosso modelo de civilização e de desenvolvimento. Isso é encarado com naturalidade e é cruel e injusto. Mais cruel é a nossa indiferença, nossa passividade, nossa desumanização para com eles. Termino com uma poesia do Galeano:

O IMPOSTO GLOBAL

O amor que passa, a vida que pesa, a morte que pisa.
Há dores invisíveis, e é assim mesmo, e não tem jeito.
Mas as autoridades planetárias acrescentam dor à dor, e ainda por cima nos cobram por esse favor.
Em dinheiro pagamos, a cada dia, o imposto do valor agregado.
Em infelicidade pagamos, a cada dia, o imposto da dor agregada.
A dor agregada se disfarça de fatalidade do destino, como se fossem a mesma coisa a angústia que nasce da fugacidade da vida e a angústia que nasce da fugacidade do emprego.

2 comentários:

  1. Dia virá e já está próximo, em que não precisaremos mais dos empresários dos Estados, para viver porque o trabalho vivo, a multidão,não nedessitará mais se subordenar e se deixar explorar. A potência criativa e inovadora dos pobres cria autonomia, valores materias e humanos onde as relaçãoes capitalistas estão fora.Estão tentando sempre capturar,obstruir, violentar esta força monstruosa de vida afetiva, comunicativa, produtiva inscrita em cada corpo vivo e nas miriades de redes sociais que construimos juntos."Que se vajan todos"...

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  2. José, só tu mesmo para escrever algo tão bonito, tão prenhe de esperança, é por isso, também, que te amo.

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