
Me comoveu a imagem de uma jovem mulher negra, sacudindo a bandeira de Dilma, na festa da eleição em Brasilia, respondendo a um repórter:"estou feliz, porque acredito que se a mulher pode fazer tripla jornada de trabalho, trabalhar fora de casa e ainda cozinhar, lavar, passar, administrar a casa, criar e cuidar dos filhos, dos idosos... pode também cuidar do Brasil" (Mais ou menos isso ela falou). Disse tudo.
O campo popular inovou na eleição de Dilma. Provou que fazer política, na democracia, não significa, sempre, seguir carreira política eleitoral. Dilma disse: "minha trajetória é de servidora pública, servidora do povo". É um caminho que não foi o da disputa, é legítimo e é uma alternativa viável. A eleição de Dilma é, também, a eleição da superação do preconceito. Dilma é muitas de nós. Faz-me sentir eleita junto com ela.
Ela tem a minha idade e a trajetória semelhante a de milhares de pessoas de minha geração.
Quero pedir licença aos meus leitores para contar um pouco dessa trajetória, parte dela.
Dilma e nós (eu e muitos) lutamos contra a ditadura e por transformações sociais, políticas e econômicas deste país. Cada um de um jeito. Ela, corajosamente, na clandestinidade, porque era proibido a manifestação direta. Eu (e muitos) buscamos o caminho da luta dentro das pastorais (estudantil, operária, da terra). A ditadura tolerava a Igreja, porque parte dela apoiou o Golpe Militar, por medo do comunismo, que a guerra fria havia demonizado.
A Igreja Progressista, resistiu a ditadura, abrigou militantes (Frei Beto e Frei Tito foram presos e torturados, junto com outros tantos).
Em Sta. Maria fundamos a Pastoral Universitária ( o MUSM: Movimento Universitário de Santa Maria). A sede era ali na Professor Braga, onde hoje funcionam algumas pastorais e o restaurante Scharong.
Fazíamos acampamentos, acolhida aos bixos da universidade, campanhas do agasalho e reflexões. Para cantar as músicas do Geraldo Vandré e Chico Buarque, nos escondíamos no porão da sede do MUSM.
Claro, todos fomos fichados no DOPS (órgão de espionagem e repressão da ditadura). Convivíamos com os "ratos" que passavam informações ao DOPS: eles tinham tudo documentado a nosso respeito: o que falávamos, nossos planejamentos...tudo. Era triste quando descobríamos que pessoas da nossa mais absoluta confiança, eram delatores! Alguns andam por aí até hoje. Alguns se arrependeram e choraram muito.
Isso teve efeitos na vida de cada um de nós. Eu fui indicada para dar aulas na UFSM, depois de formada (aquela época não havia concurso). Minhas notas em Estatística e Análise de Balanço me credenciavam para isso. A professora que me indicou só me informou depois: "não dá Tereza, tu tá fichada por causa do MUSM".
Depois fiz uma prova de seleção para o Banco do Brasil. Gabaritei. Meu nome não apareceu na lista, fui saber e de novo obtive essa informação: "não pode, tu pertences ao MUSM".
Casamos, fomos morar em Ibirubá, de lá reunimos um grupo (que eram do MUSM): um padre, um casal de engenheiros, duas professoras e nós e fomos morar em comunidade na Vila Jardim. Lá fomos trabalhar em educação popular, seguindo Paulo Freire. Quase dez anos de movimento comunitário e pastoral social. (seguindo a Conferência Episcopal de Puebla, que havia definido como linha pastoral a "opção preferencial pelos pobres").
Fundamos associação, lutamos por água, luz, canalização do esgoto, transporte coletivo, abertura de ruas, creches, alfabetização de adultos...ajudamos fundar os Direitos Humanos, em Porto Alegre. Participamos do Movimento Contra a Carestia (Mov. da Panela Vazia). Fugimos da polícia, claro que fomos fichados novamente.
Iniciava o período de distenção política e começavam os primeiros processos eleitorais. Só tinha Arena (partido da ditadura) e MDB, que era oposição. Em Porto Alegre o prefeito era indicado, era sempre o João Dib. Ah como incomodamos o Dib! Fazíamos teatro popular, seguindo Augusto Boal, para preparar nossas reivindicações. Ensaiávamos o que a gente ia dizer e responder ao prefeito. Armávamos as nossas defesas.
Ainda em Porto Alegre ajudamos na mobilização pela libertação do Lula da prisão e ajudamos a fundar o PT. Participamos da primeira lista de filiações. Enquanto isso íamos criando os filhos. A Lúcia havia nascido em Ibirubá, depois vieram a Silvana e o Pedro, ainda em Porto Alegre.
Tínhamos também nossa luta como educadores: na escola, por eleições diretas, por dinheiro para manter as escolas. Fizemos a primeira grande greve do período da Ditadura Militar. Foi barra, quase passamos fome. Resistimos e obtivemos muitas conquistas e aquelas greves foram potentes instrumentos de luta contra a ditadura.
Quase dez anos depois nos mudamos para o interior de Restinga Seca. Era o início das mobilizações para elaboração da Constituição de 1988. Isso foi outra luta popular fundamental. Fica pra outro dia. Em Restinga fomos presenteados com mais uma filha: a Alice.
Por tudo isso é que me sinto eleita junto com Dilma.
Outro dia vou escrever sobre as contradições da luta institucional e os embates que o movimento popular e sindical vão ter, provavelmente, com Dilma.